O círculo da luz solar oblíqua do meio da manhã vinda da clarabóia do Katholikon na Rotunda da Anastásis, da Ressurreição, incidia três passos adiante do Lugar da Aparição do Ressuscitado a Maria Madalena e aí, no ponto que o sol designava voltado a poente o primeiro diácono cantou às nações do Ocidente o encontro entre a que amou e o Amado vivo de novo, no Evangelho de João, ela a correr a dizer: vi o Senhor!; a procissão percorreu meia rotunda, atravessou a oração suspensa dos Coptas e outra vez João o discípulo amado ofereceu a narrativa que o segundo diácono cantou às nações do Sul, o surgir do Ressuscitado no meio dos discípulos, atravessando paredes e portas aferrolhadas por medo, que abundam sempre em Jerusalém: vimos o Senhor!, a segunda vez sinais da Paixão mostrados no Corpo Glorioso, para convencer Tomé o duvidoso; a procissão continuou e, desviando-se da Rotunda da Ressurreição, foi deter-se entre a Pedra da Unção e a Porta da Basílica e o terceiro diácono cantou às nações do Oriente, palavras de Lucas, a viagem desiludida dos dois discípulos que desciam para Emaús caía a tarde: é verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão Pedro!; a procissão voltou à Rotunda da ressurreição e diante das portas abertas da edícula do Santo Sepulcro o quarto diácono cantou às nações do Norte a narração de Marcos sobre a visita matutina das mulheres ao sepulcro à procura do corpo do Crucificado: não está aqui, ressuscitou!
O anúncio foi cantado em cada ponto cardial, como cumprindo o sentido da Santa Cruz de Jerusalém, a penta-Cruz, uma Cruz grande central e em cada ângulo definido entre os seus braços uma menor, quatro, a significar o evento pascal como acontecimento cósmico cuja notícia deve chegar ao mundo inteiro, a todas as nações dos quatro cantos da terra global globo que habitamos. Esta é a Cruz distintiva da Custódia da Terra Santa e de outras instituições ligadas a Jerusalém, como a Ordem Equestre dos Cavaleiros do Santo Sepulcro.
Esta era já a terceira volta, porque ao Terceiro Dia é que é a Ressurreição! As duas primeiras tinham sido muito lentas, parando a cada momento, a multidão apertando nas passagens mais estreitas, muitos os Coptas, chegados durante a celebração dos Latinos em alegre procissão de ramos; abria a Cruz patriarcal, duas barras horizontais, depois, belo alto e iluminado, o Círio Pascal, elevado pelas mãos do diácono, finalmente o Evangeliário, capas de prata, o Ressuscitado vitorioso em relevo.
Os franciscanos e os seminaristas do Patriarcado, os concelebrantes, o Patriarca e os seus auxiliares, cada um a luz entre as mãos, percorríamos a Rotunda da Ressurreição sob a cúpula majestosa, contornando a edícula, o incenso subindo, o canto erguendo-se e o órgão galgando as paredes e fazendo vibrar as emoções.
A grande celebração do Domingo da Páscoa da Ressurreição conclui sempre, na Basílica do Santo Sepulcro, com esta procissão ritual de proclamação dos trechos evangélicos mais significativos que contam a vitória de Cristo sobre a morte, aqui, no sepulcro escavado na rocha que o mármore da edícula esconde e protege. A Celebração eucarística tinha acontecido em frente à entrada da edícula, incrustada numa coroa sonora polifónica, os Gregos cantando no seu Coro, os Arménios na primeira galeria e os Coptas no lado de trás da edícula, os sininhos dos turíbulos soando continuamente, as vozes alteando progressivamente e aquilo que poderia ser impedimento foi desde o princípio enquadramento, ouvíamos a todos e todos nos ouviam e a Rotunda da ressurreição é mesmo isso, a casa de toda a gente e o erguer-se cónico concavo em três lanços de galerias da cúpula conduz a diversidade toda à unidade do destino aqui sempre o mesmo e apenas um.
Este pequeno edifício, no centro da Rotunda, sustentado de pé por vigas de aço, abriga o lugar do Túmulo de Jesus, oito metros e trinta por quase seis dividido em dois compartimentos, o vestíbulo, dito a capela do Anjo porque aí estaria sentado, em pedra que ainda se conserva, o mensageiro que anunciou às mulheres o que só a noite vira, quando vieram noite ainda, a aurora a anunciar o Dia, procurar Aquele que haviam deixado morto; a segunda câmara é a do Túmulo propriamente dito e para aqui entrar é preciso baixar-se abaixo de um metro e trinta e três, quanto mede a porta que lhe dá acesso, pedagogia para permitir olhar o Mistério do Lugar que só aos pequeninos se oferece, que os grandes não precisam da Morte e Ressurreição de Cristo para nada, bastam-se a si mesmos; a porta da câmara interior da edícula, onde está o Túmulo, faz-nos descer e também nos faz adoptar à partida a posição da veneração, que é inclinar-se perante o Venerado e também nos obriga a olhar o chão que é o que importa que nos lembremos que somos ao abeirarmo-nos do Sepulcro vazio de Cristo Morto-Ressuscitado e também, ao inclinarmo-nos, nos dobramos sobre nós próprios que é condição para que quem franqueia aquele Lugar se a olhe a si mesmo diante da potência regeneradora que a memória do Acontecimento Pascal oferece.
A Páscoa em Jerusalém é que se quer a si mesma não apenas a zelar santuários preciosos da memória da fé mas implicada na transmissão da mensagem que neles se preserva e comemora a cada tempo, a todos aos quatro pontos cardeais. E o mundo inteiro aqui converge neste Dia, precisamente aqui.
A chegar a hora de partir da Cidade da Páscoa, todos cá nascemos, a convicção de ter vivido um grande privilégio é mais profunda porque tanto quanto possível foram partilhados estes dias, como a Páscoa na Rotunda da Ressurreição, aqui, em Jerusalém, aos quatro pontos cardeais.
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